“Porque pela sua graça é que somos salvos, por meio da fé que temos em Cristo. Portanto, a salvação não é algo que se possa adquirir pelos nossos próprios meios: é uma dádiva de Deus.” (Efésios 2:8)
A gratidão é uma virtude cristã, mas parece ser também uma característica “natural” de algumas pessoas mais do que de outras. Há pessoas mais propensas à gratidão, talvez em grande parte pelas experiências de vida. Para aqueles que pertencem à segunda categoria, os “naturalmente” menos gratos, é preciso lembrar das ordenanças bíblicas.
A gratidão permeia a revelação bíblica a tal ponto que corremos o risco de não a enxergar. A Bíblia fundamenta o relacionamento entre Deus e o ser humano na gratidão e na obrigação moral. A novidade bíblica não é o monoteísmo, mas o conceito de Deus como personalidade que busca uma relação de maneira igual com todos os seres humanos, e a gratidão está no cerne dessa relação. Deus não baseia suas instruções na discrepância de poder entre o divino e o humano e nem no fato da criação, mas na lembrança de atos históricos realizados no passado e na gratidão que eles deveriam gerar.
Isso significa que a gratidão deve aumentar com uma maior compreensão da fé, com a apreciação cada vez mais apurada do caráter de Deus – inclusive livrando-o das distorções introduzidas por algumas teologias. Infelizmente, para muitos cristãos, a encarnação de Cristo, Deus se tornando homem, o ápice da revelação divina e o cúmulo dos sonhos humanos, só aconteceu para remediar o pecado. Cristo teria vindo somente por causa da incapacidade humana de merecer a salvação por outra via. Mas há outra interpretação cristã da razão fundamental da encarnação. Não foi um “Plano B” de Deus para restaurar o nosso merecimento. Como afirma Isaque, o Sírio, no sétimo século: “O nascimento de Cristo é o evento mais feliz de toda a história. Não seria absurdo, então, dizer que a razão dele é algo que poderia, e deveria, não ter acontecido, ou seja, o pecado humano? A razão da vinda do Salvador não é o pecado humano, mas o amor divino”.
Deus nos amou e recordar esse fato constantemente vai gerar em nós um coração e uma mente agradecidos. Segundo Marcos, o Asceta, que viveu no século V: Você deve lembrar continuamente de todas as bênçãos que Deus lhe conferiu no passado e ainda confere. Você não deve se tornar desatento, e assim passar o resto da sua vida inútil e ingratamente”. Ter um coração agradecido nos livra de uma vida inútil.
Se a gratidão baseada na lembrança do livramento recebido constitui o fundamento da relação que o Deus bíblico quer construir conosco, a sequência lógica disso é a advertência de não ter outros deuses, pois reverenciar um outro deus é, implicitamente, expressar a ingratidão.
Os bem-sucedidos devem o seu sucesso, em boa medida, a Deus e à comunidade. Mesmo o esforço depende de fatores, como o caráter – em boa parte, produto da formação familiar e social – e a motivação – mais fácil de descobrir quando a sociedade valoriza o que sabemos fazer.
Em uma sociedade extremamente desigual, precisamos de mais cristãos que pensam como cristãos, a partir da gratidão e da humildade. Afinal, como afirma Máximo, o Confessor: “O orgulho surge de dois tipos de ignorância: ignorância da ajuda divina e da fraqueza humana”. Que Deus nos livre de ambas!