O Rio Grande do Sul está diante de uma das maiores crises já vividas. Com desafios na área econômica, social e ambiental, o Estado sofre com as consequências causadas pelas inundações ocorridas nos meses de abril e maio. Entre os efeitos a longo prazo está a migração de pessoas para outros estados e como isso afetará a economia. O dado é um dos aspectos apontados em um estudo realizado pelo Instituto Data Research & Insights, organização associada ao UPF Parque, em parceria com a Universidade de Passo Fundo.
A tragédia, segundo o levantamento, deve incentivar um movimento migratório de trabalhadores da região para outros estados. O estudo analisou o impacto do desastre em 19 setores e na demanda da região. No documento, que pode ser acessado integralmente aqui, os pesquisadores da UPF destacam que houve uma queda na demanda geral de 1,84% no Estado, o que representa uma redução de R$ 18,1 bilhões no consumo. Ou seja, um valor que deixa de ser injetado na economia local. Além disso, conforme a análise, na área da produção, é possível verificar perdas de ao menos R$ 35,6 bilhões, causando um declínio de 150 mil postos de trabalho no Estado, sendo que 67 mil são no comércio.
De acordo com Marco Antônio Montoya, ex-docente da UPF e um dos autores do estudo, quando observados os padrões de comportamento em tragédias como essa, a exemplo do que ocorreu com o Katrina, nos Estados Unidos, assim como o terremoto na região central da Itália, em 2016, a primeira reação é o ato solidário com todo mundo se ajudando. Mas o segundo momento é marcado pela migração de famílias por uma série de circunstâncias. Ele também destaca que há ainda um terceiro momento, no qual as próprias empresas vão para outras regiões.
Para o pesquisador, ao olhar a complexidade e as consequências da destruição, surge uma necessidade de reconstruir as cidades pensando em eventos climáticos extremos. Neste sentido, para ele, é inevitável que muitas pessoas busquem uma nova vida em novos lugares, da mesma forma que é fundamental que os governos façam um esforço estratégico para que as pessoas não mudem de Estado. “O ideal seria as famílias migrarem para outras regiões dentro do Rio Grande do Sul para que não se perca o capital humano necessário para a reconstrução do sistema econômico do Estado. Esse é um dos perigos desses eventos climáticos de grande porte”, observa.
Para calcular o impacto da tragédia na atividade econômica, os pesquisadores extraíram informações de entidades de vários setores como a Abicalçados (Associação da Indústria de Calçados), Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), além de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ao dividir os principais setores, a pesquisa identificou uma queda de 5,09% na demanda final da agropecuária em abril e maio. Na indústria, o declínio foi de 1,81% e em serviços a perda de demanda chegou a 1,36% no período do auge das inundações. Em valores, isso significa que houve uma perda de R$ 18,1 bilhões em demanda no Rio Grande do Sul em abril e maio.
Como consequência desses dados, no mercado de trabalho, o setor agregado que mais sofreu o efeito no Estado foi o de serviços (74,5% do impacto), seguido por indústria (19,1%) e agro (6,2%). O maior temor, salienta, é que as dificuldades no processo de reconstrução desanimem os empresários locais, principalmente os de pequeno e médio porte, que podem acabar migrando em um futuro não muito distante. “Reconstruir um Estado sem capital humano, ainda mais em uma região qualificada, com empresários e empreendedores saindo para outros Estados, pode acabar se tornando uma recuperação econômica que durará décadas. Precisamos olhar com estratégia para isso e fazer algo a respeito”, destaca Montoya.
Segundo Pedro Muller, professor da UPF e sócio do Instituto Data Research & Insights, a migração de trabalhadores e, principalmente, de empresários gaúchos poderá ser acelerada ou desacelerada de acordo com a perspectiva da comunidade em relação aos auxílios financeiros governamentais. “A clareza sobre a eficácia das medidas será um ponto fundamental. Quanto menos perceberem os resultados, maior a possibilidade de saída para outros Estados ou regiões fora do Rio Grande do Sul”, destaca. Para o docente, o crédito mais barato oferecido por meio do Governo Federal e bancos multilaterais pode ser uma saída, mas pode não ser suficiente para evitar migração de empresas, uma vez que muitos empresários já estavam comprometidos com o pagamento de investimentos anteriores. “Pega a Selic alta a 10,50%, e muitos empresários já vinham alavancados. No aspecto financeiro, mesmo com o auxílio do governo, pode haver uma percepção que acelere o processo migratório”, ressalta Muller.
Para os pesquisadores, uma forma de conter o movimento indesejado que preveem seria uma maior oferta de ajuda a fundo perdido. “Mais do que nunca, para reconstruir o Estado, precisaremos do capital humano que o Rio Grande do Sul tem e que foi atingido. Se isso não for feito, o Estado vai empobrecer”, conclui.